
OS
OUTROS
Pessoas. Gestos. Ohares. Palavras ouvidas. Palavras não ditas. Movimentos. Dançam uns e outros. Fora de nós tem a multidão, o mundo. Nem sempre da para decifrar.
Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada
Ana Cristina César
O econtro é um milagre. Só às vezes, extraordináriamente, tem quem possa receber uma alma como lavada e entender tamanha doação. Poucas vezes. e, mesmo quando isso parece acontecer, a tentação de baixar as velas e voltar a resguardo é tão grande, o medo é tanto ao dano, aos cacos depois..... Mas só a alma lavada abre portas e janelas. deixa passar a brisa.
Lola
Mulher que carrega
Rua do centro da cidade agitada sexta feira calçadas desiguais de pedra portuguesa acidentada. Uma mulher carrega uma menina no colo. Anda devagar mas firme determinada sorrindo olhando para frente para não perder o rumo. A mulher não é magra nem usa salto alto e cabelo tingido nem escova não tem carro lhe esperando nem babá que carregue a filha nem pele branca. A menina é grande deve ter quase sete anos e se agarra à mãe confiante tranquila. Não está ferida mas parece incapaz de autonomia, sorriso inocente, as pernas magras penduram sem firmeza em direção ao chão. Com certeza nunca andou. Se segura no pescoço da mãe com gesto frágil. A mulher a carrega leve e paciente, andando ternamente pela rua ao sol como se não pesasse, como se fosse um jarro de flores ou uma margarida que todos os dias leva passear com um sorriso.
Lola
no há alegria nem risos
há uma passividade grande
há ladainhas que repetem alguns velhos
sem parar sem público sem motivo
há el tédio de não haver mais nada do que isto
a tevé ligada as revistas velhas o cheiro
está minha mãe e seu corpo rígido que se curva
que cai sem saber sem querer sem poder
retificar e os olhos vazios que talvez
queriam olhar mas desistem
se perdem se cansam
há a mulher que caminha e caminha
na sua cadeira de rodas
há outra que reza e reza e reza
e os gritos do homem que grita às vezes
tem a mulher na cama de pele transparente
que de vez em quando me pede
para movimentar sua perna
sua perna de neve e osso
que eu coloco centímetro a centímetro
e minha mãe que dorme
minha mãe e seu corpo quente
quieto esquecido alheio
minha mãe e a música no seu ouvido
fora tem o mar azul o verão
os cachos brancos das ondas na água
os telhados as bandeirolas
as garotas as pernas morenas
os turistas russos franceses
a sanfona no trem os banhistas
e o gosto a sal da tristeza