sonho I
- Lola
- 29 de mar. de 2016
- 2 min de leitura

Um homem sentado sozinho em um restaurante siciliano de Barcelona janta um prato de espaghetis com sardinhas. Enquanto isso, e de vez em quando, lê no aplicativo de contatos de seu celular as mensagens de uma mulher desconhecida que viu em seis fotografias: uma de primeiro plano com cabelo curto, outra de cabelo comprido cacheado e apoiada a cabeça sobre o muro de uma construção antiga, a terceira com sorriso amplo na água do que parece um rio, outra de cabelo preso e os olhos brilhantes, a cabeça numa lona vermelha, provavelmente numa rede, e outras dois nas que se adivinha a cadencia de suas pernas ao andar e sua cintura respectivamente. De vez em quando olha a tela do telefone e responde com gestos intermitentes, às vezes sim, às vezes não.
A mulher lhe sonda com perguntas, indaga à cegas na interrogação do homem desconhecido da foto que diz que janta em algum ponto da cidade. Insiste nas tentativas de desvelar o enigma da pessoa que habita trás a imagem, pergunta-se se esse homem que janta agora quase em Sicilia e se move com os gestos cotidianos de enrolar os espaguetis no garfo para leva-los à boca e bebe entre bocado e bocado o vinho, tem algo a ver com este do que ela gosta aqui na foto que ela vê. Se seus olhos são estes ou outros alheios por completo aos que ela vê, a ela mesma. Debruça-se no vazio desse abismo, no precipício gigantesco entre o que vê na fotografia e o desconhecido que janta em um restaurante na cidade essa noite e de vez em quando fala, e depois cala. Fala e cala. E não se deixa indagar completamente, quem sabe, talvez não lhe interessa tanto ou nada imagina da mulher das seis fotografias.
Das cinco fotos que ela viu dele, gosta de uma especialmente: um homem de 45 anos, com barba, de traços ainda jovens e suaves, numa praia invernal, brumosa, seu rosto olhando a um lado, não sabe a quem. Em cada foto parece uma pessoa diferente. Mas a interessa, há algo nele do que ela gosta. Mas que vê e quem? Que relação tem isso com quem de verdade é esse homem desconhecido e com o que seria para ela se estivesse um na frente do outro e falassem?
Estranhamente, por uns minutos, enquanto se mandam mensagens que lêem e respondem, ele na sua mesa em um canto do restaurante siciliano, ela deitada na sua cama lendo interrompidamente seu livro, estão conectados por uma leve linha transparente que entrelaça pensamentos e vontades entre dos pontos inconcretos da cidade, palavras escritas no meio da noite e umas fotos como eco e única referência. Provavelmente não é nada, um murmúrio, vapor de água, quatro palavras ditas, um tenteio, algo como uma aproximação no balcão de um bar, intrascendente, que se perde no meio da música da noite, do transcorrer dos dias de um mês de junho qualquer.
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